Monday, January 19, 2015

Recepção Crítica do Discurso de Tomada de Posse do Presidente Nyusi - CIP

CENTRO DE INTEGRIDADE  PÚBLICA MOÇAMBIQUE


Edição Nº 13/2015 - Janeiro - Distribuição Gratuita

Recepção Crítica do Discurso de Tomada de Posse do Presidente Nyusi

O discurso proferido pelo Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, na cerimónia da sua investidura para o cargo do mais alto magistrado da Nação, vai ao encontro de muitos anseios de moçambicanos. É, na essência, um discurso que tem como mérito o facto de ter conseguido identificar e expressar as reais aspirações da maioria dos moçambicanos.



O Presidente da República prometeu uma governação inclusiva, participativa, de reconciliação nacional, que prima pela integridade, transparência, profissionalismo, meritocracia, sem qualquer tipo de discriminação.

O Centro de Integridade Pública (CIP), instituição que tem como objectivo a materialização dos princípios de transparência, integridade, boa governação, na gestão da coisa pública, acolheu com satisfação o discurso do Presidente da República, a quem, por isso, saúda e reafirma a sua disponibilidade para trabalhar em prol da efectivação destes princípios.

Tal como vem sendo ao longo dos 10 anos da sua existência, o trabalho do CIP continuará a ser a fiscalização da governação e, neste contexto, congratulamo-nos com o compromisso assumido pelo Chefe de Estado de constituir e chefiar um governo baseado nos "valores do humanismo, humildade, honestidade, integridade, transparência e tolerância",


Intolerante com a corrupção




No seu discurso de tomada de posse, Nyusi referiu que o governo que por ele será formado e dirigido terá que ser intolerante para com a corrupção. No entanto, é importante lembrar que o seu antecessor, Armando Guebuza, também apresentou no seu programa de governação, iniciado em 2005, e aquando do segundo mandato em 2010, que o combate à corrupção seria um assunto de atenção especial, um pilar do seu governo.

Contudo, ao fim dos dois mandatos em que liderou o Estado e governo verificou-se que o combate às manifestações e práticas de corrupção não foi prioridade na sua governação, atendendo que as estatísticas apresentadas, tanto a nível nacional (Gabinete Central de Combate à Corrupção e a 2ª Pesquisa Nacional sobre Governação e Combate a Corrupção), como a nível internacional (índices de percepção da corrupção da Transparência Internacional). Ao longo dos dois mandados passados, a corrupção mostrou uma tendência assustadoramente crescente, com o Estado à saque pelas elites políticas e gestores públicos seniores, perante o silêncio conivente do Ministério Público e do Tribunal Administrativo.

Apesar da clara falta de vontade política de Armando Guebuza em combater a corrupção, há que assinalar que houve avanços legislativos anticorrupção durante o seu mandato, sendo a submissão e início da aprovação do Pacote Legislativo anticorrupção o seu marco importante. Contudo, de harmonia com a falta de vontade política, não há implementação efectiva das leis já aprovadas. A título de exemplo, é importante referir que o Plano de Implementação da Legislação Anticorrupção (PILAC) ainda não foi concluído e que, por isso, existe ainda um atraso na sua aplicação.


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Porque a melhor liderança é aquela que se dá pelo exemplo, encorajamos o Presidente Nyusi a estrear o recentemente aprovado modelo de declaração de bens para apresentar a sua declaração de património nos prazos prescritos pela Lei de Probidade Pública, como o primeiro compromisso que deve demonstrar ao pretender imprimir a transparência como princípio estruturante da sua governação.

No que tange aos órgãos de administração de Justiça, que segundo o novo presidente dever-se-ão nortear, na sua actuação, pela observância pelo mérito e profissionalismo, é importante realçar que o principal desafio que se coloca tem a ver com a aplicação da referida legislação sem que se tenha em conta a qualidade dos infractores. Isto é, que as leis anticorrupção aprovadas sejam aplicadas a todos os cidadãos envolvidos nos crimes que as mesmas prevêem, sejam os mesmos da baixa, média ou exercendo funções de topo no aparelho do Estado ou entidades privadas. Aliás, Nyusi vincou que ninguém está acima da lei.

"Não aceitaremos a violação deste contrato social firmado com o nosso povo. Ninguém está acima da Lei e todos são iguais perante ela", p. 11.

Neste sentido, é de esperar que sejam esclarecidos os casos de corrupção mediatizados que transitaram do mandato anterior. Por exemplo, o Caso INSS – Instituto Nacional de Segurança Social; o Caso CC – Conselho Constitucional e o Caso do Comando Geral da Polícia. Aliás esta seria uma acção visando responsabilizar a má conduta e actos de corrupção, favoritismo, nepotismo e clientelismo praticados por dirigentes, funcionários ou agentes do Estado em todos os escalões. Significa que existe a percepção de que os órgãos de administração da justiça devem combater as práticas acima referidas com equidistância da qualidade dos sujeitos envolvidos, dado que pouco disto se viu nos mandatos anteriores.

O discurso do presidente Nyusi aludiu ainda à necessidade do fortalecimento da integridade e transparência na gestão da coisa pública. Este discurso deverá ser acompanhado de acções concretas que permitam o controlo eficiente dos recursos do Estado, o que pressupõe a criação de mecanismos eficazes de prestação de contas por parte dos funcionários públicos e a sua, consequente responsabilização em caso de violação dos seus deveres previstos na lei e nos demais instrumentos que regem a sua conduta enquanto depositários e gestores de fundos públicos.

A inexistência dos referidos mecanismos e a não responsabilização dos funcionários conduziu ao surgimento de inúmeros casos ligados ao desvio de fundos e uso abusivo de bens do Estado ao longo do mandato do antigo Presidente da República, Armando Guebuza, o que a imprensa reportou em diversas ocasiões. Estamos a falar do controle interno no sector público que não foi prioridade nos mandatos de Armando Guebuza.


Transparência




O Presidente da República deu ênfase à transparência na governação. Prometeu transparência das "instituições e dos agentes públicos" e na "gestão da coisa pública":

"... Necessitamos de construir consensos, necessitamos de partilhar, sem receio, informação sobre as grandes decisões a serem tomadas pelo meu Governo", p. 9.

O CIP acolheu com satisfação este compromisso do presidente com a transparência. Entendemos que a transparência é um valor fundamental da democracia, sem a qual todos os outros valores do Estado de Direito e Democrático ficam comprometidos.

Ao longo da última década de governação, Moçambique teve uma indisfarçável avidez por transparência. Diferentes negócios do Estado foram conduzidos de forma oculta, deixando os moçambicanos sem saber a razão de ser das decisões tomadas.

Na indústria extractiva, por exemplo, legislação importante foi adoptada e reformada sem a participação e conhecimento profundo dos cidadãos; contratos de concessão, pesquisa e exploração de recursos naturais foram assinados e implementados longe do conhecimento dos moçambicanos. Na verdade, o governo escondeu dos moçambicanos o conteúdo destes contratos e mesmo quando houve pressão social para a sua publicação, apenas fê-lo de forma selectiva.

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As Parcerias Público Privadas (PPP), instrumento de realização do bem público, foram, ao longo dos últimos anos, usadas pela elite política e burocrática do Estado para a promoção de fins privados em detrimento do interesse público. Assistiu-se à institucionalização do conflito de interesses e do tráfico de influências por parte dos dirigentes públicos.

A transparência na gestão das PPP, como em toda a gestão da administração pública, é passo fundamental para acabar com as práticas nocivas que fomos assistindo ao longo dos últimos governos. Quando se fala da transparência ou falta dela vem à memória o maior caso de má governação: o negócio da EMATUM que ainda não foi devidamente esclarecido. Vale a pena lembrar que este caso ocorreu quando V. Ex.ª era Ministro da Defesa Nacional, uma instituição que desempenhou papel chave no caso.

O CIP defende que, sem prejuízo do seu urgente esclarecimento, este tipo de negócios obscuros, realizados pelo Estado, usando recursos de todos os moçambicanos, deve passar para a história e a promessa da transparência poderá ser um passo gigante nesse sentido. O CIP saúda e encoraja o compromisso presidencial com a transparência. Entretanto, lembra que a transparência só será alcançada se houver ruptura efectiva com as práticas que marcaram a última década da governação.


Fiscalização




O discurso inaugural do Presidente da República também apelou a todos os moçambicanos a fiscalizar a governação.

"Convido todo o Povo moçambicano e os partidos políticos da oposição para, de forma patriótica e responsável, participarem no processo de fiscalização do novo ciclo governativo para o bem e o desenvolvimento do país", p. 17.

O CIP dedica-se à fiscalização da acção governativa nas diferentes vertentes. Ficamos, por isso, satisfeitos ao ouvir o convite público do Presidente para a fiscalização da sua governação. Reafirmamos que o CIP continuará a perseguir o seu objectivo de fiscalização governativa porque, essa é a sua razão de ser.

Queremos, no entanto, lembrar que a fiscalização da governação exige do próprio governo a abertura suficiente para disponibilização de informação, pois a omissão da mesma, como se assistiu na última década, não permite que se possa contribuir para a melhoria da governação, através de uma fiscalização eficaz.

A título de exemplo, ao longo do ano passado no exercício da nossa acção fiscalizadora solicitámos os relatórios de contas da Empresa Pública Electricidade de Moçambique (EDM), e não nos foram disponibilizados; solicitámos à Autoridade Tributária a relação de impostos pagos pela SASOL num determinado período e nos foi recusado; solicitámos à Direcção Nacional de Registos e Notariado, dados sobre os casamentos entre nacionais estrangeiros e nos foi igualmente negado; solicitámos ao Ministério dos Transportes e Comunicações cópias de contratos da concessão de negócios importantes no sector e recebemos o silêncio como resposta; solicitámos às Alfandegas de Moçambique os dados de importações de veículos dos partidos políticos que beneficiaram de isenções aduaneiras e a resposta foi negativa. O ponto mais alto do "fechamento" do Governo ao escrutínio público aconteceu em 2013 quando o então Governador de Niassa, David Malizane, impediu ao CIP e seu parceiro local o acesso aos governos distritais

1 para a realização do trabalho de rastreio da despesa pública que é do interesse público.

Trazemos este curto rol de exemplo para ilustrar o quão difícil foi o acesso à informação relevante do Estado ao longo dos últimos anos. Por isso, à medida que nos congratulamos com a abertura prometida pelo Chefe de Estado para que o seu Governo seja fiscalizado, recordamos que a mesma só será efectivada se acompanhada de acesso à informação relevante da sua acção pelos cidadãos e organizações da sociedade civil. Afirmar abertura para fiscalização enquanto instituições públicas continuarem a sonegar informação relevante ao público, seria um exercício de retórica despido de conteúdo fáctico.

Uma efectiva fiscalização ocorre apenas quando o governo não fica em silêncio perante questões trazidas pela sociedade no seu sentido amplo e pela


1 Note-se que em conformidade com a Lei 8/2003, os Governos Distritais, salvaguardada a hierarquia estabelecida por lei, são autónomos dos Governos Provinciais.

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sociedade civil, em particular. Esta foi uma nota dominante na última década. Abertura à fiscalização não se compadece com governação pelo silêncio. Relatórios da sociedade civil apresentados casos da mais alta importância eram simplesmente ignorados pelo poder público e os titulares dos órgãos visados mantinham os seus postos. Por exemplo, a menos de dois meses, em Dezembro de 2014, o CIP apresentou um estudo sobre a Electricidade de Moçambique (EDM) no qual mostrava que a Empresa Pública tinha deixado de prestar o serviço público para qual foi constituída e transformou-se numa agência de adjudicação de negócios do sector da electricidade para empresas ligadas às elites políticas e económicas do país, prejudicando, por isso, os moçambicanos que deviam ser beneficiários dos serviços da empresa. O poder público ficou em silêncio.

Em 2013, o CIP apresentou um estudo sobre a SASOL onde mostrava que o primeiro grande projecto de extracção de gás natural implementado no país, não havia rendimento absolutamente nenhum para o Estado, devido ao excesso de isenções fiscais e à venda do gás natural muito abaixo do preço do mercado. Perante a indignação da sociedade, o poder público ficou em silêncio provavelmente para nos desanimar. Mas não desanimamos. A Luta Continua!


Redução de Custos e Despesismo




A redução de custos e despesismo é um dos vectores de governação arrolados pelo Presidente da República. O ex-presidente, Armando Guebuza iniciou funções em 2005 ecoando o mesmo chavão, por exemplo, reuniões de ministérios eram realizadas em salas de aulas de escolas públicas para a contenção de custos. Isto foi aplaudido por muitos Moçambicanos mas, ao fim de 10 anos, Guebuza deixa um legado de despesismo e níveis de divida púbicas (externa e interna) não só insustentáveis mas também resultantes de prioridades questionáveis e, sobretudo, num quadro de total falta de transparência. O caso EMATUM é, mais uma vez, o exemplo paradigmático.

Senhor Presidente, o despesismo foi, ao longo da última década, o meio facilitador da expropriação do Estado para benefício ilícito da elite política e dirigente do Estado em prejuízo do interesse público. Os conflitos de interesse entre o público e o privado que tiveram no ex-chefe de Estado, Armando Guebuza, a sua figura emblemática, são a face mais visível da utilização do Estado como meio privado, das elites politicas, para acumulação de riqueza para ostentação e consumo.

Em jeito de conclusão, hoje, Domingo, dia 18 de Janeiro, Senhor Presidente, fazemos uma recepção crítica ao seu discurso de tomada de posse – um discurso satisfatório porque o legado deixado pelo seu antecessor em matérias de transparência, combate à corrupção, parcimónia na gestão do erário público, independência dos poderes públicos para o controle interinstitucional em que assenta a boa governação deixa a desejar – mas a partir de amanhã, segunda-feira, dia 19 de Janeiro, estaremos a monitorar e fiscalizar. Fazendo este importante trabalho para o desenvolvimento do nosso país, fomos rotulados no passado. Temos esperança porque, no seu discurso, o Senhor Presidente prometeu que: "... Queremos dirigentes que escutem os outros, mesmo quando a opinião desses outros, não lhe for favorável...".

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Boa Governação, Transparência e Integridade


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